Mulheres são maioria entre professores da UEPG que recebem Bolsa Produtividade 08/03/2022 - 12:00

A ciência está na veia das professoras da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) divulgou, em janeiro deste ano, edital de pesquisadores brasileiros que receberam Bolsa Produtividade em Pesquisa em 2022, que busca distinguir e valorizar a produção de pesquisas em todas as áreas de conhecimento. Dos 13 professores da UEPG contemplados, sete são mulheres.

No Dia Internacional da Mulher, comemorado nesta terça-feira (08), as professoras Alessandra Reis, Andressa Novatski, Christiana Andrade Pessoa, Jane Manfron Budel, Joseli Maria Silva, Karen Wohnrath e Simone de Fatima Flach contam suas trajetórias e desafios de se fazer pesquisa no Brasil.

A farmacopeia brasileira, por exemplo, conta com a contribuição de Jane Manfron Budel e seus alunos. “A gente trabalha com o controle da qualidade de drogas vegetais. Droga para nós é a planta medicinal seca, como a camomila, capim-limão e demais plantas conhecidas”, afirma.

Farmacopeia é um conjunto de informações que tratam a nomenclatura das substâncias, medicamentos, insumos e compostos. No Brasil, a farmacopeia fica aos cuidados da Anvisa. “A UEPG é uma das únicas que faz toda a análise botânica para a identificação e controle da qualidade, mantendo as informações atualizadas”, diz.

Um dos carros-chefes da pesquisa de Jane são os óleos essenciais. “A gente extrai e determina a composição química dos óleos essenciais, com o objetivo de caracterizar esse óleo para o controle da qualidade”. Há 10 anos como professora da UEPG, é a primeira vez que Jane conquista a Bolsa Produtividade. “Acho que é um momento realizador ter ganho essa bolsa, especialmente por ser mulher. Nós temos poucas mulheres na pesquisa, mas estamos ganhando campo, mostrando nossa importância”.

Assim como ela, Andressa Novatski também é professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde. A docente, que é formada em Bacharelado em Física na UEPG, divide sua atuação entre os dois campos de estudo. “Trabalho com caracterização de materiais e as técnicas existentes no C-Labmu. Na Física, dou disciplinas voltadas para vidro e, nas Ciências da Saúde, trabalho com tecnologia farmacêutica e os fármacos modificados”, explica.

O fato de trabalhar de maneira multidisciplinar e buscar há anos ser selecionada pelo CNPq deu à Andressa um gosto maior pela conquista. “Receber Bolsa Produtividade foi muito gratificante, porque é um reconhecimento do seu trabalho. Pedi muitas vezes e sempre recebia um não, ainda mais sendo cientista mulher, em uma área majoritariamente ocupada por homens”.

No curso de Odontologia, o foco de Alessandra Reis é a longevidade de restaurações colocadas nos pacientes, além de tratamentos cosméticos, como clareamento dental. “Temos um grupo forte de clareamento, então conseguimos fazer esse procedimento com vários alunos e investigar diferentes protocolos, com o intuito de clarear mais rápido e diminuir a sensibilidade do dente”, destaca.

Alessandra diz que sempre se sentiu muito bem-vinda como pesquisadora na UEPG. “De uma certa forma, todo professor influencia a vida dos seus alunos, tenho contato com alunos que farão pesquisa e é importante mantê-los motivados. Ser pesquisadora é uma profissão que exige uma motivação constante”, afirma.

COLEGAS DE LABORATÓRIO – O Departamento de Química da UEPG conta com duas professoras agraciadas pela Bolsa. Christiana Pessoa e Karen Wohnrath até atuam no mesmo laboratório, cada uma com aspectos próprios de estudo.

“Trabalhamos no desenvolvimento de moléculas que podem atuar como fármaco para inibir o crescimento de bactérias ou moléculas com potencial de células cancerígenas”, conta Karen. Já Christiana está voltada ao desenvolvimento de sensores eletroquímicos. “Desenvolvemos materiais para a modificação de eletrodos, que são usados como dispositivos para detecção de fármacos e detecção de doenças, como o vírus da zika, câncer infantil específico e doença de Chagas”.

Ambas destacam a importância da participação de mulheres na ciência no Brasil. “Somos em número inferior, em comparação aos homens. Muitas mulheres ainda não produzem tantos artigos quanto eles”, diz Karen. Pela carga dupla ou tripla que muitas mulheres assumem, o CNPq passou a contar desde 2017 o tempo em que ela ficou em licença maternidade. “Isso não tínhamos antes, foi uma conquista. A mulher na pesquisa hoje recebe mais incentivo do que em anos anteriores”.

“Na nossa área, os grandes pesquisadores são homens. Ser pesquisadora mulher e ter algum reconhecimento é sentir que você conseguiu chegar até onde você queria”, comemora Christiana. Para ela, a bolsa é um reconhecimento do trabalho desenvolvido na UEPG. “Tem todas as pedras no caminho, não é tão fácil, a gente tem que trabalhar bastante, estudar bastante, se dedicar na orientação dos alunos. É menos o valor da bolsa e mais o reconhecimento como pesquisadora”.

As Ciências Humanas são representadas pelas professoras Joseli Silva e Simone Flach, da área da Geografia e Educação, respectivamente. Simone também é filha da UEPG, sendo professora efetiva desde 2008. “A universidade me abriu muitas portas, muitas possibilidades. Eu diria que é uma felicidade enorme fazer parte do corpo docente e de colaboradores da instituição”, destaca.

Atuante na área de política educacional, o foco da pesquisa de Simone é a gestão democrática em conselhos de educação nos órgãos colegiados. “É muito satisfatório ser contemplada com a bolsa, mas também é um grande desafio, porque você também tem que responder à comunidade científica”, declara. Os próximos anos serão de muita dedicação e trabalho. “Pretendo continuar produzindo dentro desse campo, analisando as políticas educacionais e como isso se efetiva no âmbito dos órgãos colegiados”.

Joseli entrou na UEPG em 1996 e atua apenas como pesquisadora sênior na pós-graduação com geografias feministas. “Mantemos alta produtividade por teimosia. Só paixão pela pesquisa que me faz continuar no mundo acadêmico. Contudo, tenho a impressão que há avanços, pois na minha época era muito difícil”, afirma.

DESAFIOS – Embora a disparidade de gênero seja um obstáculo a ser superado, as professoras enfatizam que o principal desafio é o investimento na ciência. “Como somos uma instituição pública, às vezes essa proximidade com empresas pode dificultar para conseguir patrocínio”, afirma Andressa.

O pensamento é o mesmo de Christiana. “Ser pesquisador no Brasil ultimamente tem sido desafio com as agências de fomento, muitas vezes temos que nos virar com o que temos”. Para Simone Flach, o corte de bolsas também dificulta que pesquisas sejam alavancadas. “O número de bolsas é bastante reduzido no Brasil, e nos últimos anos o governo federal vem cortando sistematicamente os recursos para pesquisa, e isso é o nosso principal desafio enquanto pesquisadores de instituições públicas”, pondera.

Outro, segundo Karen, é a inserção maior da mulher em âmbitos majoritariamente masculinos na ciência. “Ainda temos um número muito baixo de mulheres que conseguiram o Prêmio Nobel e que são editoras de revistas. Isso é uma luta que as mulheres precisam agarrar para mostrar nossas pesquisas para a comunidade científica”, afirma.

Atualmente no Brasil há 184.728 bolsas, segundo o CNPQ (dados de 2021), e apenas 35% dos bolsistas são mulheres. O cenário piora muito quando se toma os níveis como parâmetro.

Para a professora Joseli, fazer parte de uma pequena porcentagem é sinônimo de luta. “Acho importante haver a presença feminina para, pelo menos, poder reclamar lá dentro a disparidade existente de gênero”. Para resolver esta diferença é necessária uma profunda transformação social, de acordo com a professora. “Que comece com uma séria política de gênero já nas escolas, nos níveis mais básicos, passando por toda a formação estudantil”.

INSPIRAÇÃO – “Tento sempre incentivar as mulheres na Física. As meninas são o meu xodó porque eu sei como é difícil. Sempre digo a elas que é importante se dedicar e não desistir”, declara Andressa. O incentivo da professora vem até o último momento. “O pessoal encontra um obstáculo e quer desistir, fazer outra coisa. Mas se você persistir e chegar até o final, a recompensa vem, é isso que tento passar aos meus alunos”.

Para a professora Simone, o que não pode faltar para as futuras pesquisadoras é a dedicação e estudo. “A primeira questão é a dedicação ao processo formativo, e o processo formativo implica fatores como a pesquisa”. É necessário ter uma aproximação com pesquisadores e muita coragem. “Elas precisam ter perseverança e pensar que pode ser que o resultado não venha de imediato, mas sim lá no futuro. Sempre incentivo minhas alunas a ter visão a longo prazo”.

Segundo Karen, as professoras pesquisadoras são exemplos para que outras mulheres se encorajarem a entrar no mundo científico. “Se você fala de um cientista, vai lembrar de um homem maluco. Você não vê uma mãe, não tem uma foto de uma mãe com um guarda-pó e uma barriga. É um estereótipo ainda difícil de ser quebrado. Mas agora, com esse incentivo da Capes e do CNPq, conseguimos trazer um número muito maior de mulheres para a ciência”, afirma.

“No curso de Química tem muitas alunas e estamos numa época em que o desânimo é muito grande em fazer pesquisa”, diz Christiana. Mostrar que mulheres conseguem chegar em um bom nível como pesquisadoras é motivo de orgulho, segundo a professora. “Isso nos dá uma vontade de trabalhar mais e formar mais, para que essas alunas atinjam esse mesmo patamar futuramente”.

O futuro da ciência está nas mãos das estudantes que atualmente entram na graduação, de acordo com Jane. “Fazemos a diferença na vida das alunas, elas nos veem como um exemplo a ser seguido, que a gente pode contribuir com o país fazendo ciência”.

Ganhar a Bolsa Produtividade foi um impulso para ela. “É uma realização pessoal, não só como professora que sou há 30 anos, mas como pesquisadora, para poder passar o meu conhecimento para elas, que amanhã estarão aqui no meu lugar”. A mensagem que Jane deixa para as alunas é clara: “A professora conseguiu, mas vocês irão mais longe do que eu, porque a aluna, a orientada, tem que ser melhor do que a orientadora”.

Fonte: AEN/PR